Contos de fadas são uma bobagem!

É o que pode passar na cabeça de qualquer um que escuta o termo relacionado à literatura. Seja em um tom depreciativo e mesmo acusador, seja num tom nostálgico e paternal, Contos de Fadas, um outro nome para o gênero da Fantasia, tem um sabor infantil para a maioria de nós.

Mas será que realmente é assim?

Por que será então que um homem como John R. R. Tolkien, doutor em Letras e Filosofia, professor de Oxford, Comendador da Ordem do Império Britânico, católico de seriedade inquestionável, se dedicaria a escrever todo um ensaio a fim de defender a leitura dos Contos de Fadas para todas as idades, não apenas para crianças?

Pois foi justamente isso que ele fez em seu livro “A árvore e a Folha”, no ensaio “Sobre Histórias de Fadas”.

Nele, o professor Tolkien nos mostra como pode haver muito mais nas velhas histórias e contos do que se poderia esperar. E talvez, só talvez, o defeito esteja na nossa capacidade de enxergar e não nos contos de fadas.

O que são contos de fadas

Em seu ensaio, o professor ressalta o fato de que os contos de fadas estão presentes no Imaginário humano desde tempos imemoriais, onde a mitologia se mistura com as imagens que povoam a consciência humana.

Isso acontece pois os contos de fadas respondem, de acordo com Tolkien, a dois dos mais profundos desejos humanos: o de se comunicar pessoalmente com o resto da criação e o de conhecer as profundezas do tempo e do espaço.

O primeiro desejo é muito interessante. Ele nos lembra das palavras da Sagrada Escritura “não é bom que o homem esteja só, ou ainda “não encontrava entre eles quem lhe fosse semelhante”.

O homem, por sua própria natureza, deseja ardentemente o contato com outra pessoa. Alguém que lhe veja como ele é e retribua a abertura de seu coração. Que esse desejo se volta para a criação não é de surpreender, posto que a obra sempre remete ao Autor.

O desejo humano de comungar com a Criação é reflexo de sua necessidade inata de comungar com o Criador. Não é à toa que tais contos fantásticos muitas vezes se misturaram com a religião, como nos Nórdicos e Gregos.

O segundo desejo, me parece, é reflexo da própria natureza da alma humana: somos o único ser material de natureza espiritual. Isso significa dizer que nossa parte não material, nossas Inteligência e Vontade, não são limitados pelo mundo material mas feitos para comportá-lo integralmente.

Em palavras mais simples, nosso Espírito foi feito para conhecer e desejar a Criação por completo. Conhecer a Verdade e desejar o bem na Criação, digo.

Esse conhecimento, interessantemente, começa na Imaginação.

As histórias nas quais a Imaginação humana conjetura como seria ver os limites inexplorados da realidade e tocá-los pessoalmente são chamadas de Fantasia.

Como característica central desse gênero, Tolkien coloca o que ele chama de Magia, Mística e o Espelho de Escárnio.

A Magia

Essa é a parte da fantasia reservada às fadas e elfos de todo tipo. No entanto, é muito diferente do que se pode esperar. Para a surpresa do leitor, Tolkien coloca essa como sendo a parte natural dos contos de fadas, não a sobrenatural.

De acordo com o Pai da Fantasia Moderna, a magia é uma espécie de magnificação da Natureza, como se víssemos o mundo natural por uma espécie de lente de aumento que o amplia ou modifica.

Uma árvore gigantesca que emite luz do sol só pode adentrar nossos pensamentos porque existem árvores, grandeza e sol.

A Magia das Fadas é uma expressão linguística da capacidade da Imaginação humana de reformular, crescer ou diminuir as imagens nela guardadas. É a expressão de nossa alma que engrandece as formas do mundo para melhor compreendê-las.

A Mística

Contos de Fadas

Essa sim, por sua vez, é o aspecto sobrenatural da Fantasia, mas é introduzida nela, novamente, por um fator surpreendente: o elemento humano.

Tolkien explica que as fadas pertencem ao mundo natural, são feitas dele. Somos nós, os homens, que não pertencemos a esse mundo.

Quando o elemento humano entra nas histórias de fadas, são introduzidos junto com ele as ideias de Chamado, Destino, Virtude e Providência.

As fadas são o que são e, por isso, seu papel na luta entre o Bem e o Mal tem pouco impacto. O ser humano pode mudar, pode escolher, e suas escolhas podem conduzir o destino de todo o um mundo.

A Mística das história de fadas se concretiza na força sutil que conduz o herói à vitória e o dragão à morte.

Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

O Espelho de Escárnio

Por fim, temos a miséria humana confrontada com a grandeza da Natureza e a beleza da Mística.

Aqui a vileza humana é humilhada e escarnecida. Perto das fadas, ela é ridícula. Perto da Mística, é suja e mesquinha.

Um exemplo bom é a figura de Tio André em “O Sobrinho do Mago” de C. S. Lewis.

O Papel dos Contos de Fadas

Mas para que serve esse gênero, no fim das contas? Não seria melhor utilizarmos literatura histórica, talvez mesmo a sacra para a educação do Imaginário das crianças?

Sobre a segunda pergunta, recomendo que assista essa Live:

Sobre a primeira, Tolkien vai mencionar algumas qualidades da literatura fantástica, das quais destaco três: a Recuperação, o Escape e a Consolação.

Recuperação – O Olhar Renovado

A fonte primeira de aquisição de Imagens é, de fato, o mundo natural e a experiência pessoal. No entanto, o professor aponta que as imagens corriqueiras vão perdendo a nitidez para a maioria das pessoas ao passar do tempo devido a uma excessiva familiaridade com o mundo natural.

Isto é dizer que nos acostumamos tanto com o mundo que vemos todos os dias que ele perde o brilho, a beleza e, com isso, a capacidade de mover nossos afetos e instigar nossa atenção.

Quando isso acontece, paramos de ver as coisas com clareza e encantamento. Essa, diz Tolkien, é a única e verdadeira vantagem das crianças: elas estão vendo o mundo pela primeira vez. Seu olhar ainda não está enferrujado.

Aí entra a Fantasia.

Ao ampliar e remodelar as imagens do mundo natural, os contos de fadas nos ajudam a olhar para a realidade com uma espécie de olhar renovado, como se a víssemos pela primeira vez também.

Ao ler sobre uma árvore gigante que emite luz do sol (Telperion, em “O Silmarillion” de Tolkien), nós olhamos para a velha árvore no quintal de uma nova forma. Será que Telperion parecia em algo com ela? Quando os raios do Sol a tocam, não parece ela também uma árvore de Valinor?

Essa Recuperação é, aos olhos de Tolkien, uma das mais importantes funções da Fantasia.

O Escape

Contos

Não podemos confundir com essa função uma espécie de fuga da realidade, isolamento ou alienação, mas uma cura para a desilusão, para a maldade e sofrimento do mundo através da possibilidade de um mundo diferente.

Quando vemos a realidade de uma forma diversa daquela que vemos com os olhos, nossa alma é levada a aceitar a verdade de que não é impossível que as coisas sejam diferentes.

Esse Escape elimina o pensamento de que “o mundo é assim e não poderia ser de outra forma”. Esse pequeno fôlego abre a possibilidade para o sonho, para a luta e para a Fé.

A Consolação e a Eucatástrofe

Por fim, nós temos um dos elementos mais clássicos dos contos de fadas: o “viveram felizes para sempre”. A vitória do cavaleiro sobre o dragão, a derrota da bruxa má, todos esses finais felizes não são uma imaginação ingênua que acredita numa vitória infundada.

São um grito de esperança que sabe da maior das verdades que norteiam a realidade: apesar da dor e do sofrimento do tempo presente, o Bem há de ter a vitória final na História.

Os contos de fadas trazem a grande Consolação da certeza de que uma reviravolta inesperada vai dar a vitória aos heróis e fazer cair as forças do Mal! A essa salvação inesperada, que é elemento da Mística, Tolkien chama de Eucatástrofe.

A Eucatástrofe é o ponto central que une Fantasia e o Mundo Real, posto que um é reflexo do outro. A vitória final do Bem nas histórias de fadas são também reflexo das duas grandes Eucatástrofes da História, uma que já aconteceu e uma que ainda há de acontecer: a Encarnação e Morte redentora do Verbo Divino em primeiro lugar, e Sua volta gloriosa, quando o grande dragão será derrotado de uma vez por todas.

Afinal, todas as histórias de Herói são uma repaginação da história do Verdadeiro Herói, por cujo Sangue nós fomos salvos de forma inesperada… e imerecida.

Esse é apenas o começo da grande jornada da formação do Imaginário. Se você apreciou esse artigo e gostaria de se aprofundar mais, recomendo que adquira nosso Livro Digital: A Forja do Imaginário.

Nela você vai compreender a formação do imaginário como nunca antes.

Escrito por Prof. João Gabriel

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