Que a Literatura seja uma parte indispensável da educação não é novidade para ninguém. Mesmo que por intuição ou hábito cultural, todos entendem que ler mais é sinal de desenvolvimento, ao menos intelectual.
O que poucas pessoas entendem é por que é assim.
Justamente por não entender o real papel e benefício da Literatura, a maioria das pessoas, mesmo intuindo sua importância, não dá à leitura grande prioridade.
A verdade é que a média das pessoas passa o ano inteiro sem sequer terminar (ou começar) um único livro. Aqueles que conhecem as grandes obras da literatura são uma minoria e os que já leram alguma, uma raridade.
As pessoas imaginam a importância da literatura, mas não entendem para que ela realmente serve e, por isso, todo o resto do entulho da vida prática entra na frente.
É esse problema que desejo resolver neste artigo. Quero mostrar a você 7 propósitos fundamentais da literatura que justificam colocar a leitura como uma de nossas maiores prioridades.
Cultivar o Imaginário

Para entendermos melhor essa importantíssima função da literatura, precisamos inicialmente recordar o que significa Imaginário.
Todas as coisas que conhecemos por nossos sentidos entram em nossa sensibilidade sob a forma de Imagens. Cada imagem que conhecemos pelos sentidos corresponde a um indivíduo em particular com o qual já tivemos contato.
Com o tempo, nossa inteligência usa essas Imagens guardadas em nossa Imaginação para formular conceitos. Ela guarda das imagens aquilo que aparece sempre (o que é universal) e joga fora aquilo que aparece só às vezes (o que é particular).
Por exemplo, se conhecemos muitos cachorros, com o tempo nossa inteligência separa as informações que aparecem sempre (quatro patas, pelos, latido, abana o rabo e ofega com a língua para fora) de todas as outras informações que só aparecem em alguns (cores, tamanhos diversos, tons de latido).
Assim, ela forma o conceito Cachorro. A partir desse momento, consigo identificar todos os cachorros que aparecem no meu caminho.
Ou seja, quanto mais Imagens verdadeiras tenho na minha Imaginação, mais material minha inteligência tem para trabalhar. O que significa que, quanto mais experiências tenho, mais coisas consigo entender.
Agora, acontece que a experiência sensível não é a única forma de adquirir imagens.
É possível “pegar emprestado” imagens da experiência de outras pessoas, se essas pessoas nos contarem sobre essas mesmas experiências.
Isso significa que, através da linguagem oral ou escrita, temos acesso a todo um mundo de imagens partilhadas entre as pessoas, o que supera em muito a nossa experiência pessoal, posto que é a experiência de uma pessoa só.
E mais! Demora muito mais tempo para adquirir experiências em primeira mão do que para adquiri-las pelas histórias.
Quando tomamos para nós essa coleção comum de imagens comunicada pela linguagem, adquirimos o que chamamos de Imaginário.
Assim, a forma mais eficiente e perfeita de fazer crescer o Imaginário, e, portanto, o subsídio que será utilizado pela Inteligência, é a Literatura.
Através da Literatura, temos contato com todo um mundo de Imagens transmitido pelos maiores gênios da história. E é um mundo imenso! Pense em uma grande biblioteca, repleta das imagens de Homero, Dante, Shakespeare, Camões e Cervantes!
Através da Literatura, vemos o mundo pelos olhos desses gênios e crescemos igualmente nosso mundo interior.
O mundo de uma pessoa sem Literatura é um mundo extremamente limitado. Mas não para por aí.
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Exaltar a Virtude

A segunda função da boa Literatura é encher nosso coração do desejo de imitar a virtude dos heróis.
Uma verdade que poucos sabem sobre a virtude é que não basta possuir o bom hábito para obtê-la. É preciso saber que o hábito é bom e desejá-lo voluntariamente.
Isso acontece quando entendemos intelectualmente que é bom agir de forma virtuosa. No entanto, é possível “antecipar” esse conhecimento por aquilo que chamamos de Emulação (ver o artigo “Exemplos Arrastam… será?” ).
A Emulação acontece quando conhecemos, na vida real ou na literatura, pessoas que têm qualidades tão brilhantes e encantadoras que despertam em nós o desejo de imitá-las.
Esse é o efeito dos heróis da literatura em nossa alma. Esse desejo de imitar a virtude dos heróis pode, inicialmente, substituir o conhecimento sobre a virtude. Podemos, então, adquirir virtudes baseadas nesse desejo de imitar o bem que vemos nas histórias.
Esse elemento é especialmente importante para a formação moral das crianças, posto que elas ainda não têm linguagem suficiente para entender intelectualmente o valor da virtude. A Emulação dos heróis aparece como o substituto natural dessa compreensão, até que a criança seja mais velha e capaz de entender conceitos mais complexos.
É por isso que histórias de heróis sempre foram contadas para as crianças! Isso acontece desde os gregos antigos e, provavelmente, desde antes disso.
Nas boas histórias, a virtude é ressaltada em exemplos de armadura brilhante. Por outro lado, o vício é vestido em vestes macabras e detestáveis.
A Literatura é o primeiro e um dos mais potentes educadores da afetividade moral. Ela nos ensina de forma entusiasmante a amar a Virtude e detestar o Vício.
Refinar a Linguagem

Somado a isso tudo, quando lidamos com boa literatura – ou seja, literatura composta por verdadeiros artistas que dominavam sua técnica – somos apresentados ao mais perfeito grau de linguagem.
Não estou falando aqui sobre uma perfeição esnobe ou requintada. Nada disso! Deve-se entender que a linguagem é o instrumento de trabalho do escritor, assim como a pedra é o do escultor e a tinta o do pintor.
É através da linguagem que o autor comunica as imagens que deseja transmitir ao leitor. Quanto melhor o escritor, mais nítidas são as imagens que modela na linguagem.
Assim, quando nos deparamos com um autor que foi confirmado através das gerações como um mestre em sua arte, sabemos que estamos lidando com alguém capaz de utilizar a linguagem com a mais alta eficiência e beleza.
Portanto, quanto mais imergimos na linguagem desses autores, mais aprendemos com eles uma forma elevada de comunicação!
Com eles, nós aumentamos nosso vocabulário, descobrimos expressões e construções verbais mais precisas, aprendemos a distinguir detalhes e identificar o sentido literal dos textos.
Assim como a apreciação das artes plásticas nos deixa mais sensíveis à beleza, a exposição à boa linguagem nos deixa mais atentos às palavras.
E não se enganem: a Linguagem é o meio de funcionamento e comunicação da Inteligência.
Enriquecer a Cultura

Além de termos contato, pela boa literatura, com o mundo imagético de homens e mulheres excelentes e geniais, temos também contato com sua Cultura.
Aqui, não nos limitamos apenas ao conjunto de experiências humanas, mas também ao conjunto de criação e pensamento humanos, desenvolvidos ao longo de séculos.
Quando temos contato com a literatura escrita em outras épocas e lugares, compreendemos melhor nosso próprio tempo e lugar, posto que não somos frutos de uma história isolada.
Entender a cultura universal é estar situado não apenas no aqui e no agora, mas no mundo, no espaço, nas eras e na eternidade.
Quanto mais nos aprofundamos na mais excelente cultura humana, mais nos tornamos parte de uma humanidade grande, inteligente, criativa e nobre.
A grande verdade é que a inteligência, quando não está situada na realidade, torna-se pedante e incoerente; começa a fazer raciocínios perfeitos em cima de premissas falsas, por falta da capacidade de contrastá-las com a vida real e com a experiência humana.
A Literatura nos ajuda a fazer essa conexão, essa leitura da vida. Ela nos ajuda a visitar outros modos de vida, outras situações humanas, e isso nos torna mais capazes de avaliar o nosso próprio modo e a nossa própria situação.
Engrandecer a Beleza

Existe uma realidade fascinante sobre a Arte que poucos conseguem alcançar. Quando dizemos que a arte espelha a realidade, em verdade, estamos fazendo uma redução.
A arte ressalta, engrandece a realidade!
Da mesma forma que a inteligência humana é capaz de abstrair as verdades universais das coisas, separando o essencial do acidental, ela também é capaz de “abstrair” a beleza do mundo real.
O espírito humano, então, ao abstrair a beleza do mundo criado, é capaz de separá-la de suas imperfeições e reproduzi-la de uma forma destilada.
Isso é arte.
A arte ressalta a beleza, a grandeza, o assombro e o encanto da realidade, não impedindo que nós vejamos a vida como ela é, mas nos educando a ver a beleza mesmo onde ela se torna difícil de identificar.
Vemos a realidade com olhos de criança, olhos renovados para a beleza e o espanto, quando temos contato com a arte em sua expressão mais sublime. Nesse tipo de expressão está incluída, e mesmo privilegiada, a literatura.
De certa forma, podemos dizer que os mundos, cenários, situações e pessoas na literatura são ainda mais belos que aqueles que encontramos no mundo real, mas porque são o extrato refinado deste mundo real.
Como a Beleza não está jamais separada da Verdade, isso nos leva à sexta função da Literatura.
Clarear a Verdade

Como são apresentadas de forma distinta, com palavras precisas e linguagem adequada, as realidades – em especial as realidades humanas – expressas na Literatura chegam a nós de maneira mais clara.
Um mesmo evento que pode acontecer de maneira confusa e destrambelhada na experiência concreta pode ser descrito de forma tranquila e precisa dentro de uma página de livro.
A literatura vai nos ensinando a ler o sentido literal das situações das histórias. Precisamos lembrar o que aconteceu, entender o que está sendo descrito, conectar as ações dos personagens.
Quanto mais fazemos essa leitura do texto, mais aprendemos a fazer uma leitura semelhante das situações que se nos apresentam todos os dias.
Por essa razão, a mente acostumada a identificar a verdade nas histórias, acostumada a meditar, fica cada vez mais capaz de identificar a verdade na realidade.
Infelizmente, vivemos em uma cultura apressada, em que tudo que leva tempo e exige trabalho intelectual é colocado em segundo plano. É precisamente por isso que as pessoas acreditam que não têm tempo para ler!
Acontece que, da mesma forma que não estão acostumadas a decifrar lentamente um livro de forma meditada, estão desacostumadas a fazer o mesmo com os discursos que escutam, com aquilo que leem nas redes sociais, com as opiniões que lhes chegam pelos amigos.
Pela falta da Literatura, as pessoas estão desacostumadas a decifrar o significado dos textos e, assim, são enganadas, confundidas, ou mesmo roubadas de coisas preciosas por outros que, certamente, não cometeram a mesma negligência e sabem muito bem o que fazem.
Estar afastado da leitura é estar desacostumado a entender o significado do que nos é dito, seja por texto ou por fala, e um povo iletrado é facilmente dominado.
Refletir a Vida

Por fim, chegamos ao último benefício da Literatura: o poder que ela tem de nos fazer avaliar nossa própria vida.
Quando estamos lendo um livro e nos deparamos com uma cena de vício ou com a queda de um bom personagem, não podemos deixar de nos colocar naquela situação e imaginar o que teríamos feito. Será que teríamos também caído e fracassado? Será que temos caído nesse vício em nossa vida atual? Nos identificamos com o personagem?
Igualmente, se vemos uma imagem de virtude e heroísmo, nos perguntamos se somos capazes de agir daquela maneira. Percebemos que estamos distantes ainda daquele comportamento elevado e nos envergonhamos um pouco, ou nos alegramos por perceber alguma semelhança entre nós e os heróis.
E ainda, quando vemos situações de tristeza, frustração ou medo, passamos a compreender um pouco melhor nossas próprias crises desses mesmos sentimentos. É tão fácil enxergar a saída quando olhamos de fora aquelas situações que tanto nos atormentam!
Esse processo de purificação pessoal através da literatura, que os gregos chamam Catarse, é a forma como a arte e, em especial, a Literatura vão nos ajudando a, ao olhar para o outro, enxergar a nós mesmos e purgar de nós aquilo que é estranho à nossa natureza, aquilo que a corrompe.
A boa Literatura desperta em nós a empatia, a compaixão e a reflexão, nos ajudando a crescer enquanto pessoas, tomar melhores decisões e compreender melhor os demais.
Conclusão
Essas são as 7 funções/benefícios que a Literatura nos traz:
- Crescimento do imaginário.
- Estímulo à Virtude e afastamento do Vício.
- Refinamento e desenvolvimento da Linguagem.
- Crescimento da Cultura e mundo interior.
- Encantamento da alma pela Beleza.
- Exercício da apreciação da Verdade.
- Incentivo à reflexão e autoconhecimento.
Faz sentido que releguemos a leitura a uma atividade de segunda categoria? Que só nos dediquemos a ela se, por um milagre, estivermos com tempo de sobra?
É preciso que comecemos a dedicar tempo, recursos e esforço para desenvolver esse hábito tão necessário e valioso. Para mais dicas de como crescer na leitura, veja nosso artigo “Como desenvolver o hábito da leitura”.
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Escrito por Prof. João Gabriel