Mas afinal, o que é Virtude?

Como educador e palestrante, sempre enfrentei o mesmo problema ao falar de Virtude a qualquer público que fosse, desde adolescentes até professores.

Sim, alguns deles mostram desinteresse, mas esse não é o problema. O problema é que, mesmo aqueles que se interessam, e se interessam muito, me oferecem a mesma resposta à simples pergunta: “O que é Virtude?”

Eu sou um professor de filosofia bastante tradicional e gosto de começar qualquer assunto definindo meu objeto. Assim, sempre que solto a fatídica pergunta no início da palestra, recebo a incômoda resposta: “eu sei, só não sei explicar”.

Uma dica de Aristóteles para vocês:

Se tu não podes explicar algo de maneira simples, na realidade, não entendeste bem o que tem a dizer

– Aristóteles

O fato é que muitas pessoas percebem o valor da virtude, mas poucas delas sabem dizer o que a coisa é!

Agora eu pergunto: como buscar alguma coisa, como ter a menor esperança de alcançá-la, se nem sequer sabe-se o que ela é?

Parece absurdo, não? É como procurar uma trapizonga. Você saberia encontrar uma trapizonga? Sem saber o que é, sairia por aí procurando?

Pois é exatamente o que a maioria das pessoas faz com relação à Virtude, o que me leva a crer que, ao menos a maior parte delas, nem sequer a está procurando de verdade.

Por essa razão, se de fato desejamos alcançar Virtudes, oferecê-las a nossos filhos, a primeira coisa a fazer é descobrir o que elas são.

Origem e Definição de Virtude

Muitas vezes, quando tentamos encontrar o significado de uma palavra, é interessante descobrir de onde ela veio.

No caso da palavra Virtude, esta veio do Latim “Virtus”, que era a tradução de uma palavra grega “Areté”. Tanto no Latim quanto no Grego, a palavra vinha da mesma raiz de “Homem” ou “Força”.

No entanto, não tinha o sentido de algo masculino. Não. Areté não era uma qualidade automaticamente adquirida por ser homem. Areté era uma força, uma excelência que você precisava ter para ser considerado verdadeiramente homem, verdadeiramente humano.

Essa, inclusive, é uma melhor tradução da palavra Areté: Excelência.

Areté era as melhores qualidades humanas, expoentes nos grandes heróis e príncipes.

Em Homero, por exemplo, os heróis gregos, como Aquiles, brilhavam por duas qualidades, duas excelências particulares: Coragem e Prudência, as duas Aretái (plural de areté) guerreiras.

Para os clássicos, um homem não se tornava um herói por vencer, apenas. Tornava-se herói por ser o melhor que ele poderia ser.

Aquiles, maioral dos Aqueus.

Mais tarde, com a teologia católica, acrescentou-se a esse louvor da excelência humana uma realidade: o Pecado Original.

Entendeu-se que, apesar de poder chegar a grandes alturas, o homem tinha uma tendência à desordem, ao pecado.

A virtude, então, continua a ser a excelência do homem, mas, agora, em oposição à sua tendência desordenada à vileza.

O homem não apenas seria louvado pela virtude, mas teria um dever espiritual de buscá-la, a fim de vencer sua propensão ao pecado.

Foi então que Santo Tomás de Aquino ressuscitou a doutrina de um sábio, de um grego, e a aperfeiçoou.

Mas afinal, o que é Virtude?

Ele sintetizou e refinou a doutrina Aristotélica sobre a Virtude (compilada, em sua maior parte, na Ética a Nicômaco) e nos deu a mais perfeita definição de virtude. Virtude, então, seria um “Hábito Bom e Consciente”.

Hábito

A primeira coisa fundamental a se entender para saber o que é virtude é o conceito de Hábito.

Acontece o seguinte: toda vez que realizamos uma ação, nós “ativamos” uma série de mecanismos que nos ajudam a realizar aquela ação.

Um exemplo bastante fácil de ver são os músculos. Toda vez que eu faço um movimento, ativo meus músculos que são os “facilitadores” daquela ação.

Acontece que, se eu repito aquela ação muitas vezes e ativo essas estruturas muitas vezes, vou aperfeiçoando essas mesmas estruturas. Se forço meus músculos repetidas vezes, eles começam a crescer, por exemplo.

Quando eu aperfeiçoo muitas estruturas relativas a uma mesma ação, vou gerando em mim um “estado facilitador” que torna realizar aquela ação mais fácil.

Por exemplo, digamos que eu estou praticando um esporte. No começo, sou muito ruim!

Se pratico todos os dias, vou aperfeiçoando diversas estruturas:

  • Meus músculos específicos para aquele esporte se desenvolvem;
  • Minha memória muscular decora aqueles movimentos;
  • Meus afetos vão se estimulando com os avanços e vitórias
  • Minha inteligência vai aprendendo as estratégias e técnicas
  • Minha vontade vai se fortalecendo.

Agora, imagine um momento em que meus músculos estejam fortes, hábeis nos movimentos do jogo, que eu saiba as técnicas e estratégias e tenha uma forte determinação para jogar.

É possível que eu jogue muito mal?

Acontece que eu adquiri um “estado facilitador”. Todas as minhas estruturas me ajudam a praticar aquela ação da forma mais perfeita possível.

Adquiri um hábito.

Acontece que na vida moral é igual. Se repito ações desordenadas, vai ficando cada vez mais fácil pecar e mais difícil agir bem.

Se, por outro lado, pratico ações ordenadas, vai ficando mais fácil para mim agir bem.

Adquiri um Bom Hábito.

Bom Hábito

Essa segunda palavra significa um hábito condizente com a natureza humana.

Pense no que significa a palavra bom.

Se dizemos que alguém é um bom flautista, significa que ele toca bem a flauta, não?

E se dizemos que uma mesa é boa, não significa que ela cumpre bem as funções de mesa?

Um homem bom é aquele que realiza o que um ser humano foi feito para realizar.

Para resumir bastante, hábito bom é aquele que nos ajuda a agir segundo o espírito, ordenar os afetos e moderar o corpo. Todas as virtudes humanas tratam dessas três coisas.

Veja o vídeo para entender melhor o processo de aquisição de Virtude!

Hábito Bom e Consciente

Por fim, é necessário que esse hábito tenha sua origem na liberdade e na inteligência de seu praticante.

Acontece que um hábito pode ser bom, mas externo. Posso ser obrigado a acordar cedo durante anos, sem nunca entender o valor da Diligência e da Laboriosidade.

Para que um hábito seja verdadeiramente Virtude, preciso saber que ele é bom e buscá-lo por vontade própria.

Se a base, o fundamento do meu hábito, é exterior, assim que este fundamento sair da vista, o hábito começa a degradar.

Se os fundamentos são interiores, uma Verdade e uma decisão firme da Vontade, esse hábito dificilmente vai degradar. É uma Virtude real.

Isso nos leva a uma consequência dolorosa para nós, educadores: é impossível ensinar Virtude!

“Como assim, professor?!”Sim, a virtude precisa ser uma decisão consciente e livre para ser virtude. Não se pode forçar ninguém a isso. Não existe método mágico. No fim, a decisão é do educando.

Mas calma! Embora não seja possível transmitir virtude, é, sim, possível facilitá-la ao extremo. É possível desenvolver bons hábitos, inicialmente externos, mas que vão facilitar a virtude quando e se ela chegar. É possível dar bons exemplos, santos e heróis para a criança se espelhar. Falando em exemplos, passem no nosso artigo: “Os Exemplos arrastam… será?“. É possível ensinar a verdade sobre o ser humano e sobre Deus. Tudo isso é, sim, missão dos educadores e nosso papel na salvação das almas.

Mas afinal, o que é Virtude?

A Virtude e a realização pessoal

Vem agora a pergunta: por que buscar a Virtude?

Tudo bem, sabemos que ela nos faz melhores, mas isso não é o mesmo que saber por que isso é bom!

Isso quem nos responde novamente é Aristóteles e, mais uma vez aperfeiçoando sua resposta, Santo Tomás.

Para Aristóteles, a consequência natural da Virtude é o que ele chamava de Eudaimonia, que seria bem traduzido para “vida feliz”.

Aristóteles ainda via as coisas de uma perspectiva muito imanente. Acreditava que o homem virtuoso era bom no que fazia, desenvolvia suas potências ao máximo, era próspero e tinha bons amigos. Não tinha como ele não ser humanamente feliz!

Até esse ponto, Aristóteles estava certo! Realmente, a pessoa virtuosa faz as coisas de forma mais eficiente e, por isso, é mais bem-sucedida no que faz em todos os seus aspectos.

Aristóteles não conseguia ver como uma criatura que realiza a própria essência pode ser infeliz.

Aliás, é daí que vem a expressão “realização pessoal”. É realmente uma realização da essência, daquilo que se nasceu para ser.

Santo Tomás vai além desse conceito sem propriamente modificá-lo.

Ele vai concordar com Aristóteles: sim, a virtude gera a vida feliz e está relacionada com a realização da essência.

No entanto, existe algo na essência humana que Aristóteles não conhecia: o ser humano foi feito para Conhecer, Servir e Amar a Deus.

Essa é nossa mais profunda essência.

Assim, Santo Tomás vai trocar a palavra aristotélica. Virtude não gera apenas Eudaimonia para o Santo da Sicília.

Gera Beatitude: felicidade profunda de quem desfruta a presença de Deus. Essa é a finalidade da Virtude.

 

 

 

Escrito por Prof. João Gabriel

5 Comentários

  • MFatima

    Muito claro e organizado. Parabéns

  • Maria Aparecida Vizeu

    Excelente , temos que aprender muito !

  • Dayllane

    Vim do YT e esse é precisamente o conteúdo que estava buscando, fiquei muito alegre por tê-lo encontrado dessa forma tão bem ordenada. Muito, muito obrigada!

  • José Lourival Pereira de moraes

    Asisti o video ,só isso me mostrou que melhrar e muito.

  • Tatiana

    Vim do YouTube.

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